Em 18 de maio de 2010, durante o programa "Bom Dia Brasil" da TV Globo, foi apresentada a seguinte reportagem:
A força do sol pode até desligar aparelhos eletrônicos.
O ano passado comentamos uma reportagem semelhante aparecida na TV americana chamando-a de Confusões Eruditas, porque quem dava a mensagem apocalíptica era o divulgador científico Michio Kaku. Na reportagem da Globo, o texto só não parece apocalíptico porque as condutoras Renata Vasconsellos e Michelle Loreto mostram seus sorrisos sedutores, e o que em princípio é para falar sobre as consequências negativas do Sol na Terra muda para mostrar os benefícios do Sol na vida. Em síntese, quem não está por dentro das pesquisas recebeu duas conclusões contraditórias: o Sol faz mal, o Sol faz bem. Mas, deixem analisar melhor o conteúdo levado ao ar pela Globo.
Em primeiro lugar, a pesquisadora consultada se chama Adriana Válio e não Vale como foi publicado. Adriana é uma colega minha de mais de uma década de trabalho, primeiro na Unicamp e agora na Universidade Presbiteriana Mackenzie, no Centro de Rádio Astronomia e Astrofísica Mackenzie. Ela é autora do livro Nossa Estrela o Sol, publicado em 2006. Como eu, Adriana analisa a atividade solar em ondas de rádio. Conheço então o trabalho e as ideias dela a respeito das consequências solares, e sei o cuidado que toma em realizar afirmações em público para não ser mal interpretada. Por exemplo, o que ela escreveu no seu próprio livro
Capítulo 6.4, Satélites e Astronautas em órbita.
Então, de onde saiu isso de desligar aparelhos? Não foi de sua boca.
Capítulo 6.4, Satélites e Astronautas em órbita.
Então, de onde saiu isso de desligar aparelhos? Não foi de sua boca.
A TV Globo, com a Michelle Loreto a frente, veio fazer a entrevista no nosso centro e ficaram uma manhã inteira conversando com Adriana. Daquelas três horas de filmações, apenas 30 segundos foram emitidos. E Adriana não diz que os celulares ou GPS possam ser desligados. Ela até comenta que as maiores consequẽncias seriam para as latitudes mais altas. O que é contraditório com a afirmação de que os satélites ficariam desligados, já que este seria um fenômeno de escala global independente da latitude.
A estrutura da reportagem é clara. A notícia, de origem desconhecida, é que os celulares serão desligados durante as tempestades solares de 2013. A Globo entrevista um pesquisador que não diz que isto vai acontecer, mas que fala em consequências (outras, censuradas pela Globo) para a Terra. A conclusão do televidente será que Adriana disse que os celulares vão desligar em 2013. Este recurso, muito usado em jornalismo, é completamente anti-ético.
Ora, mais uma vez, o máximo de atividade solar está se aproximando (2013-2014), mas vem fraquinho, triste, murcho. Teremos um maximínimo. O anterior, acontecido entre 2001 e 2003, mais intenso que o próximo, teve algumas consequências nos GPS, mas que não chegaram a desliga-los. Nossos próprios equipamentos GPS sofreram irregularidades na contagem do tempo, imediatamente auto-corrigidos. Mas nada apocalíptico. Nenhum fim de mundo.
Claro que sempre pode vir alguém e dizer, mas, se uma bruta explosão solar acontecer, não poderia apagar literalmente os satélites GPS e de comunicações? A resposta, obviamente, é sim. Aliás, poderiamos até conjecturar numa explosão solar grande o suficiente para varrer todo e qualquer resíduo de vida na Terra. Mas, até onde vai nosso conhecimento, evento tão violento tem chances insignificantes de acontecer.
Por enquanto estamos preocupados com o raquitismo atual do Sol. Armagedon só existe na cabeça do editor jornalístico da TV Globo.
PS.: A reportagem diz que a temperatura da superficie solar é de 5.500 graus Centígrados. Errado, são aproximadamente 5.750 graus Kelvin, ou quase 6.000 Centígrados.