domingo, 31 de diciembre de 2017

O Post-truth ou a Vitória de Charles Fort

Post-truth: relacionado a ou que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos são menos influentes do que apelar à emoção ou às crenças pessoais para formar a opinião pública. (Tradução minha da palavra do ano 2016 segundo Oxford Dictionaries)


¿Foram os discos voadores as primeiras pósverdades do século XX? Talvez não, porque Kenneth Arnold disse ter visto os nove objetos voando próximos dele aquele dia de 1947, embora não conseguiu os identificar, dali o nome de Objeto Voador não Identificado (OVNI).  Mas, é uma pósverdade sim vincular a  Área 51 com experiências extraterrestres.

Minha estreia com as pósverdades foi a farsa do homem na Lua, meu tio avô desconfiava em 1969 dos ianquis e suspeitava que tudo era uma invenção de Hollywood.  Na minha ingenuidade infantil pensava que ele era único no mundo em sua descrença. Por isso minha surpressa foi imensa, muitos anos dépois, ao descobrir o tamanho da comunidade negadora da aventura lunar, aínda mais ao perceber que seu bastião está nos EUA, país que fez o esforço econômico e humano de enviar homens na Lua.

O tempo não fez mais do que aumentar as pósverdades. O atentado às Torres Gêmeas e ao Pentágono, o famoso 9/11, criou uma espécie de competência de quem lançava a teoria mais absurda sobre o que aconteceu naquela manhã interminável.  Já tínhamos sofrido a passagem do milênio, e poucos anos depois nos deparamos aínda com as Profecias Maias que nunca aconteceram, por certo.

Escrevo sobre falácias pseudocientíficas há mais de 30 anos.  Na minha ingenuidade adolescente dos inícios neste campo, pensava que poderia ajudar aportando mais uma voz a um grupo de empreendedores que contou com os insignes nomes de Carl Sagan e  Martin Gardner. Pensei também que a informação era o melhor remédio para convencer incrédulos, e por esse motivo o acesso universal a Internet seria o caminho natural para acabar con as falácias. E, no entanto, nos encontramos frente a un fenômeno que, ao que tudo indica, deixou de ser intranscendente e pode até definir eleições presidenciais.

Eu acho  que esta história  de falácias-verdadeiras começou há mais de um século e tem um nome: Charles Hoy Fort.  No livro "Fad and fallacies in the name of science" (1957) Martin Gardner relata as disparatadas ideias que os forteans têm defendido desde as primeiras publicações de seu criativo líder. Fort recolheu inúmeras histórias que leu em jornais e revistas no British Museum em Londres, e na Biblioteca Pública de Nova York.  Embora carecia de estudos acadêmicos, ou talvez por essa razão,  dedicou sua vida a pesquisar eventos anômalos pouco considerados pelos científicos profissionais.  Pôde se dar ao luxo de ser um diletante científico graças a uma herança familiar que o liberou da obrigação diária do trabalho. E dois amigos, que pouco entendiam de ciência e muito o admiravam, conseguiram que seus livros fossem publicados. O primeiro e mais famoso é o "Livro dos Condenados" , onde por condenado Fort se refere  àqueles que se deixam convencer pela ciência que fazem os científicos profissionais, o que se dá em chamar em inglés de "mainstream science". Ciência que Fort chamava de dogmática. Ele tinha particular aversão pelos  astrônomos, a quem considerava de ineptos (stumblebums, en suas palavras),  menos idôneos mesmo que os astrólogos  para fazer predições, como, por exemplo, encontrar um planeta novo através de cálculos perturbativos. Segundo Fort, a Terra não gira em torno ao seu eixo diariamente, pelo contrário, uma esfera oca com pequenos orifícios gira em torno da Terra, por trás da esfera, uma luz permanente cria a ilusão da existência de estrelas. A esfera é de um material gelatinoso, e, as vezes, esse material é arrancado  e cai sobre a superfície terrestre. Fort juntou notícias que davam conta da chuva de gelatina  celeste e por isso recomendava muito cuidado aos aviadores.  Nos quatro livros que publicou em vida, e nas edições da revista Doubt que por muitos anos publicou a Sociedade Fortean, um catálogo gigantesco de maravilhas incríveis (literalmente) como esta, pode ser encontrado.

¿Era Fort um ignorante autoconvencido de sua genialidade? ¿Era um semvergonha que lucrava com a ingenuidade alheia? Alguns biógrafos acreditam que nem um nem outro, Fort era um personagem que o Fort real criou para semear de dúvidas a humanidade, pelo único prazer de vê-la confusa, ou, pelo menos, para mostrar que a certeza absoluta é impossível. Sendo a Mecânica Celeste o ramo da astronomia mais desenvolvida em tempos de Fort, cujo objetivo é descrever a posição dos astros com a máxima precisão possível, era a presa mais apreciada de suas críticas. Uma certa vez Fort disse: "Não creio em nada próprio que eu tenha escrito alguma vez." Um de seus mais próximos amigos, que o alentou a publicar seus livros, que participou da criação da Sociedade Fortean e que foi editor da revista Doubt, disse "Fort não era um louco. De forma alguma ele cria  minimamente em nenhuma de suas hipóteses."

¿Serão  também assim os forteans contemporâneos que de forma indiscriminada publicam fábulas irreais, contando fenômenos que nunca aconteceram, negando outros cuja existência não deveria nem sequer ser questionada ou dando explicações inverosímeis para questões corriqueiras? ¿Dedicam seu tempo livre à ficção jornalística apenas para rir da ciência dogmática? ¿São maníacos? ¿Ou, simplesmente, desiludidos?

O problema é que nos anos de 1920, quando Charles Fort começou a publicar suas disparatadas teorias, seu impacto em escala global era insignificante. Hoje, a conectividade permite que as ideias se transmitam, literalmente, a velocidade da luz, entre duas antípodas do planeta. E o privilégio de se deslocar sobre a superfície da Terra, seja a pessoa, sejam suas ideias, que em épocas de Fort era para alguns poucos, hoje é um direito universal. Parafrasando a ilustração da teoria do Caos: Um twit em Brasil pode resultar no crack da bolsa de Nova York.

Enquanto escrevia este artigo, que levou mais tempo que o desejado, outro neologismo irrompeu na mídia: fake-news. Difícil discernir o qué  o diferencia do post-truth.  Certo é que ambos são igualmente nocivos no mundo hiperconectado onde a maioria aceita docilmente qualquer afirmação que confirme seus prejuízos.

Não me cabe dúvida alguma, Charles Fort continua a rir de todos nós.






miércoles, 27 de agosto de 2014

Lucy e o mito do 10%

O ator Morgan Freeman, no papel de um neurocientista palestrando num local erudito, olha para a sua  plateia e diz muito seriamente, "É fascinante saber que o ser humano usa apenas o 10% de seu cérebro".  Isto acontece no trailer do filme, estrelado por Scarlett Johanson, Lucy. Um pouco depois, no mesmo trailer alguém pergunta  a M. Freeman, o que aconteceria se pudéssemos usar o 100% do cérebro: "Não faço a menor ideia" responde o cientista, enquanto as imágens mostram os poderes incríveis que Lucy-Johanson parece ter obtido por causa de umas drogas que lhe foram administradas.  O filme teve estreia há algumas semanas nos EUA, mas só  em setembro no Brasil. Evidentemente não pude vê-lo, então só posso falar pelas poucas cenas do trailer.  E me chama a atençao o retorno ao mito do 10%.  

Há mais de 10 anos escrevi um artigo sobre o tema que foi publicado na Revista Exactamente (Nro 24, Outubro 2002).  Como vejo que não perdeu atualidade, transcrevo-o, quase na íntegra, abaixo. 

Supermentes devaluadas: o mito do 10%


Corria a década de 1970, quando pela primeira vez escutei a teoria de que nosso cérebro está subutilizado. "Usamos um 10% de nossa capacidade. Einstein chegou a usar apenas o 20%!" A afirmação, mais do que verossímil era profética, augurando um porvenir feliz. Talvez poderiamos encontrar a forma de utilizar o 90% restante e nos elevarmos assim até uma estatura 5 vezes superior à  de Einstein. Talvez poderiamos, como o célebre Fernão Capelo Gaivota de R. Bach, um dos estandartes da divulgação do mito das Supermentes, nos deslocarmos instantaneamente ou atravessar a dura rocha dos rochedos.  Não demoraram em aparecer livros de autoajuda com técnicas para aumentar esse porcentual. O pontapé inicial parece ter sido dado pelo best-seller, hoje fora de impressão, Powers of Mind (A. Smith, Ed. Random House, N.Y., 1975). O livro explora todas as técnicas para aumentar a porcentagem de uso de nossa mente, desde a meditação Zen, até o I-Ching, passando pela pretensiosa Meditação Transcendental; e nos conta inúmeras histórias de pessoas que curaram doenças incuráveis, ou adquiriram poderes sobrenaturais, da noite para o dia, apenas porque aprenderam a usar sua mente com maior eficiência.

Quándo começou esta mania? É difícil de precisar, como em toda lenda. A ideia de que nossa mente é capaz de dominar a  matéria, subjacente no mito das Supermentes, é muito antiga, centenas de anos como mínimo (de alguma forma era uma hipótese dos alquimistas). Mais recentemente alguns referem a Einstein quem em alguma entrevista teria falado em forma imprecisa que ele utilizava 20% de sua capacidade mental. Creio adivinhar que não estava falando seriamente. O famoso Dale Carnegie, parece que também comentou alguma vez este mito, embora suas fontes saõ desconhecidas.

Os antecedentes mais firmes, parecem provenir de experiências que na realidade demonstram lo contrário. Na década de 1920, Karl Lashley intentou localizar as lembranças. Treinou ratos de laboratório para lembrar o caminho de escape de um labirinto, e depois foi retirando diferentes partes do cortex cerebral. Lashley informa que em alguns casos até con 90% da massa perdida o rato podia lembrar o caminho. No entanto, nos mesmos trabalhos, ele escreve que esses ratos perdem performance ao mesmo tempo.

A partir da década de 1960, foram realizados experimentos com pessoas para observar a área do cérebro usada durante diferentes atividades.  Os resultados mostram que normalmente uma área pequena é utilizada para uma atividade determinada. O que é bastante lógico, porque existe um certo gráu de especialização funcional no cérebro, e costumamos realizar uma tarefa por vez. Por exemplo, neste momento estou movendo apenas os músculos dos meus dedos enquanto escrevo, e mais alguns dos braços. O resto de minha massa muscular encontra-se relaxada. Isso não significa que só um 10% dos meus músculos têm alguma finalidade. Ao longo de um dia completo, muito provavelmente terei utilizado cada um deles em diferentes momentos. O mesmo acontece com o cérebro.

Alguns pacentes de hidrocefalia  têm o cérebro bastante comprimido e a pesar disso, são normais. Um exemplo extremo foi dado pelo pediatra britânico John Lorber: um brilhante estudante de matemática cuja substânica cinzenta tinha uma espessura de apenas 1 mm, quando o normal são 45 mm. Aliás, pessoas com danos cerebrais conseguem recuperar funções inicalmente perdidas.

Mal interpretados estes resultados levam a crer que grande parte do cérebro é ociosa. Muito pelo contrário, o que demostram é que o cérebro tem uma incrível capacidade para assumir funções de outras áreas, e que a memória não tem, provavelmente, um lugar específico, estendendo-se pelo volume todo. Por outra parte, se aceptamos como verdadeira a teoria da evolução darwinista, é muito difícil explicar por qué um órgão desenvolveu-se de forma muito avançada sem ser completamente utilizado. A natureza costuma ser muito avara, dá e obtem apenas o necessário.

Obviamente que sempre pode-se fazer hipóteses a posteriori, argumentando que fomo alterados genéticamente no passado, ou que já existiu uma raça de homens mais inteligentes que a atual, uma catástrofe acabou con ela e os sobreviventes esqueceram a maior parte de seus conhecimentos. Está claro que nenhuma destas ideias têm qualquer basamento com a evidência empírica, como sim tem a teoria da evolução.

Isto não é tudo. Suponhamos que efetivamente usamos um 10% de nossa capacidade cerebral, se conseguíssemos utilizar o 90% restante, quais habilidades novas ganhariamos? Imagino que falariamos mais idiomas, fariamos cálculos matemáticos mais complexos, executariamos mais de um instrumento musical, etc. e mais outros etc. Para os fanáticos da lenda da Supermente, isto não é suficiente. Eles imaginam habilidades paranormais: telepatia, visão remota, por exemplo. Adquirido aquele estado superior teriamos poder de dominação absoluto sobre a matéria. E por último ganhariamos o domínio sobre o tempo. Em suma, onipotência e imortalidade. Estas extrapolações da realidade não têm o menor apoio e mais bem parecem projeções dos desejos íntimos dos seus autores.

A verdade é que usamos nosso cérebro em quase toda sua capacidade (sempre podemos aumentá-la um pouco com mais exercitação). Depois de muito entrenamento podemos especializá-lo em algunas tarefas, como tocar um instrumento, jogar xadrez, aprender uma lingua estrangeira, ou simplesmente nos capacitarmos numa profissão. Isto já é maravilhosso, nenhum outro animal da Terra demonstrou tanta capacidade de autoconhecimento, aprendizagem e criação. Nosso cérebro é nossa marca distintiva no reino dos seres vivos. Não o devaluamos por dizer que o usamos em sua totalidade. Não é necessário crer em mágicas habilidades obtidas por meio de duvidosas técnicas para conhecer nossas esperanças e medos, nossas limitações e realizações. Em suma para saber qual é o nosso lugar no Universo.

viernes, 17 de enero de 2014

Voltando para a Lua

A farsa da viagem lunar não tem fim.  Quarenta e cinco anos após a chegada do homem à Lua, a controversia se alastra, parece até aumentar.  Neil Armstrong não pode descansar em paz, perseguido pela acusação de ter fraudado a Humanidade inteira quando disse "um pequeno passo para um homem, um grande passo para a humanidade".  E os outros 11 astronautas que andaram sobre o solo lunar, não conseguem desfrutar sua popularidade por causa de um infundado mito que afirma que as missões Apollo foram uma grande montagem de Hollywood aliado à NASA (tem quem afirma que Stanley Kubrick estava atrás das câmeras) para nos fazer acreditar que os americanos pousaram na Lua.

Recentemente, aproveitando fotografias da sonda lunar chinesa Chang'e 2 o jornalista da Folha de São Paulo, Salvador Nogueira, publicou um artigo em seu blog Mensageiro Sideral dando mais motivos para acabar com o ceticismo das viagens tripuladas à Lua:  Mais 5 provas da ida do Homem à Lua.  O que seguiu foi uma tempestade de comentários, réplicas e tréplicas que deu vertigem.  Em menos de 48 hs, um total de 187 diferentes comentaristas (não podemos saber se se tratou do mesmo número de pessoas, acredito que é possível criar falsos avatares)  tinham submetido em torno de 500 comentários, ou seja, 10 por hora, ou melhor, 15, se consideramos que as pessoas dormem umas 8 hs por dia!!

Muitos comentários eram extensos e elaborados, tanto a favor quanto em contra da veracidade da história oficial.  Em geral podemos classificá-los em quatro tipos diferentes:
  1. Persuadidos: Aqueles que estão, sem sombra de dúvida, convencidos da chegada do homem à Lua.
  2. Céticos: Aqueles que estão, sem sombra de dúvida, convencidos da fraude lunar.
  3. Dubitativos: Aqueles que duvidam da história mas também não engolem os argumentos dos céticos.
  4. Neutros: Aqueles que emitiram comentários que não podem ser colocados em nenhum dos grupos anteriores.  
O grupo dos dubitativos deve ser incorporado ao dos céticos: não acho razões para questionar a realidade  das viagens humanas para a Lua, é um fato histórico fartamente documentado. Juntando então em três categórias resulta

Persuadidos 88 47,1 %
Céticos 72 38,5 %
Neutros 27 14,4 %

Embora o número dos persuadidos é superior, resulta incrivelmente alto o número dos céticos. Descontando os neutros o resultado da: 55% de persuadidos para 45% de céticos. É uma porcentagem muito grande para um evento histórico comparável com as expedições aos polos geográficos no início do século XX (R. Amundsen, R. Scott), a travessia por baixo do Ártico em submarino nuclear (1958), ou a descida a mais de 10.000 m no fundo do mar  em 1960.  É mais preocupante se lembramos que os leitores da Folha de São Paulo são pessoas com ensino médio concluido, a maioria deve ter um diploma universitário, lê e se informa.  Seria muito fácil chamá-los de ignorantes. Mas estaria errado. 

Como pôde o maior sucesso da tecnologia recente virar um mico? Lendo os comentários céticos, a maior fonte de suspeita é a conclusão das viagens. Por que não retornamos nunca mais? Involuiu a tecnologia? - se perguntam. Se o computador mais poderoso dos anos 70, que precisava de uma sala imensa para ser alojado, cabe hoje dentro de um aparelho do tamanho de uma caixa de fósforos, como pode ser que a tecnologia espacial não evoluisse na mesma proporção? afirmam irritados achando que esta é a maior demonstração que tudo foi uma história da carochinha.  

Pois é.  A tecnologia aeroespacial evoluiu muito menos que a dos computadores.  Não são apenas os foguetes que continuam a ser caros e pouco seguros, os aviões também avançaram muito pouco nos últimos 40 anos. Traçando uma breve história da aviação temos: pimeiro vôo do mais pesado que o ar, 1906,  aviação comercial, 1920, aviões a jato comerciais, 1960. De lá pra cá, pouca novidade. O esperado Concorde, o avião mais rápido que o som, foi um rotundo fracasso comercial.  Cadê o jato estratosférico que iria fazer a travessia São Paulo - Tókio em 3 horas?   

O programa Apollo mostrou que a viagem tripulada à Lua é possível, mas custou 25 Bilhões de dólares ao estado norte-americano.  Quando foi encerrado em 1975, a ideia era construir uma estação espacial, um porto fora da superfície para facilitar as viagens, e um transbordador que permitisse ir e vir até o espaçoporto em órbita.  O transbordador espacial, oficialmente lançado em 1981,  se mostrou caro e pouco seguro, e foi abandonado em 2011. A NASA ainda não definiu o novo sistema de lançamento.  Enquanto isso, os astronautas sobem e descem usando as naves russas Soyuz, cujo design tem mais de 50 anos!  

Hoje em dia, realizar o programa Apollo novamente teria um custo de 170 Bilhões de dólares.  O retorno econômico deste investimento não é claro.  Por isso mesmo se espera muito da iniciativa privada e da capacidade de inovação da indústria.  Provavelmente a exploração da Lua, seja lucrativa quando dominemos melhor a tecnologia da viagem espacial.  Até lá, os céticos acharão motivos para contestar a história.

Domingo 26 de janeiro.   Se minha teoria está certa, os más céticos deveriam ser os mais jovens.   No fim das contas, nós, que vivemos aquelas jornadas épicas dos anos 1970, temos uma percepção mais forte de sua realidade.

Segunda feira 27 de janeiro. É interessante como algumas histórias são mais aceitas que outras. No mundo anglosaxão credita-se o primeiro voo de um objeto mais pesado que o ar (avião) aos irmãos Wilbur e Orville Wright, que teria acontecido em 17 de dezembro de 1903, em Kitty Hawk, Carolina do Norte.  Não há testemunha nenhuma do evento, apenas as memórias escritas dos irmãos inventores. Enquanto isso, a maioria esqueceu o trabalho documentado e testemunhado por uma multidão, de Alberto Santos-Dumont, que percorreu triunfalmente o Campo de Bagatelle (Paris) en seu 14-Bis em 23 de outubro de 1906.

miércoles, 15 de enero de 2014

O Senhor é astrônomo? Eu sou de Capricórnio!

Segundo o Evangelho de Mateus uns magos vieram do Oriente a Jerusalem e disseram: Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? porque vimos a sua estrela no oriente, e viemos a adorá-lo. A tradição popular diz, entre tanto, que eram três Reis Magos: Melchior, Gaspar e Baltazar.   Do texto de Mateus depreendem-se três conclusões e um lema, a seguir: (1) que não (necessariamente) eram reis, (2) que seu número é indefinido,  (3) que há uma contradição porque vindo do Oriente uma estrela que está no Oriente não pode conduzi-los ao Ocidente, para Belém; e o Lema: que os Evangelhos são os livros mais vendidos e provavelmente os menos lidos.

Uma linha intepretativa diz que os  magos eram sábios do Oriente (a Biblia Sagrada da Sociedade Bíblica do Brasil os chama de homens que estudavam as estrelas, Mateus 2:1) e como naquela época não havia saber maior que a Astrologia, eram astrólogos vindos da Pérsia.   Achar um evento astronômico que corresponda com a estrela de Belém que guiou os magos do Oriente, foi de encontro com a inoportuna obstinação da evidência científica.   Nossa ignorância sobre a vida de Cristo, no entanto, aumenta as chances de  encontrar a Estrela Guia, já que segundo o evangelista Mateus, nasceu em tempos do tretarca  Herodes, falecido em 4 antes de Cristo.   Toda uma contradição morrer antes que aquele a quem iria sentenciar de morte!  Mas essa incerteza permite estender a busca no passado. 

Foi talvez Johannes Kepler, um dos maiores astrônomos da história, quem mais próximo esteve de encontrar um evento digno do nascimento do Filho  de Deus: a  muito pouco freqüênte conjunção de Júpiter com Saturno na constelação de Peixes,  constelação símbolo da cristandade, no ano de 7 AC (voltaram a se encontrar no ano seguinte também). Embora a conjunção pouco teve a ver com uma estrela porque os dois planetas  maiores do Sistema Solar estavam próximos mas de forma alguma superpostos num único corpo. Foram propostas também estrelas  novas, alguns cometas, outras conjunções, como a de  Júpiter com a estrela Régulus (Pequeno Rei) na constelação  do Leão. Nenhuma destas alternativas deixou conformados a todos.  Em qualquer caso, é muito chamativo que apenas os magos do oriente perceberam a existência da estrella de Belém: no  há registros históricos de um fenômeno ao mesmo tempo impactante, mas que, segundo o próprio evangelista, nem mesmo Herodes teria notado. Não seria melhor considerá-la uma retórica simbólica?
Representação do céu próximo à cidade de Belém na noite de 28 de maio de 7 AC.
As estrelas mais brilhantes são Júpiter e Saturno, muito próximas,
na constelação de Peixes.  (Realizado com o programa Stellarium, v 0.12.0)
Da mesma forma que os  astrólogos magos  não sabem qué foi a estrela de Belém, tampouco nunca confirmaram nenhuma de suas outras afirmações.  É confuso então que Vicente Massot escreva em La Nación de 3 de janeiro de 2014 (link para a nota), que a Astrologia iria pôr as bases da moderna astronomia. Sejamos mais precisos. Uma disciplina  nascida entre os rios Tigre e Eufrates em torno do ano 2000 AC, evoluiu em duas direções diferentes: a do  pensamento rigoroso e verificável que chamamos Astronomia e a do tratamento simbólico e místico que chamamos   Astrologia. Apesar do afirmado, o afastamento (estranhamento?)  da Astrologia com a objetividade   começou já em tempos da Grécia Clássica: seus filósofos naturais descobriram  que o caminho do Sol no céu ia mudando lentamente (hoje atribuimos este fenômeno à  precessão do eixo da Terra), e assim os signos do Zodiaco já não se correspondiam mais com aqueles definidos dois mil anos antes. Com o passar dos séculos, as contradições aumentaram. Por exemplo: De qual forma incorpora  a Astrología os astros descobertos recentemente?  A quais?  Plutão, ainda usado nas Cartas Astrais,  foi reclassificado recentemente como planeta menor, mais um dos milhares  que abundam no Sistema Solar. Seria para levar em conta todos os outros também?  E as galáxias, não deveriam ser incluidas nas Cartas Astrais?Qual é a influência do Buraco  Negro no Centro Galático?  E as estrelas pulsares?  De que forma afeta nossa Carta Astral a expansão do Universo? 

Reflexionaram os astrólogos alguma vez sobre estas questões?  Duvido.  Não há na sua história nenhuma inovação relevante: continua a ser o mesmo olhar surpreso e curioso dos homens que davam seus primeros passos na civilização, quase 4000 anos atrás.  Enquanto isso,  a Astronomia descobriu planetas, estrelas, galáxias, nuvens de gás, uma paisagem  apaixonante e completamente nova, insuspeita pelos magos do oriente. Também descifrou a matemática íntima do movimento planetário: a Lei da Gravidade. Compreendeu   a forma em que a luz das estrelas propaga-se no vácuo chegando até nós, e  descobriu outras formas de luz que nossos olhos não detectam. Ousou, medrosamente, tirar o centro do Universo do Centro da Terra e pensar que também as estrelas nascen e morrem,  que não são estáticas como afirmavam os astrólogos. E, num movimento que acreditou aproximá-lo daquele Déus dos magos, o astrônomo convertido em astronauta, caminhou sem proteção, literalmente  caindo, fora da base sólida da superfície terrestre.

Os astrólogos, apesar de negar qualquer interesse por uma confirmação independente, entusiasmaram-se quando Michel Gauquelin na década de 1950 publicou um estudo estatístico  sobre o momento do nascimento de esportistas famosos e a posição do planeta Marte  no céu: o efeito Marte como foi batizado, nunca confirmado por outros pesquisadores, seria, no entanto, uma demonstração de que o método astrológico está enganado.  Ô contradição!

O certo  é que, embora nascidos no mesmo berço, nada deve a Astronomia à Astrologia.  Apenas nos deixar sem graça quando alguém nos pergunta a profissão:  O Senhor é astrônomo? Qué interessante! Eu sou de Capricórnio.

martes, 5 de marzo de 2013

O mundo e seus demônios

"Quando a ignorância é felicidade, é loucura ser sábio." 
 (Thomas Gray)

Escrevo estas linhas mais de dois meses depois da fatídica data de 21 de dezembro de 2012.  Nenhuma das graves profecias anunciadas aconteceu de fato. O mundo segue seu caminho  tortuoso e esperançoso, como sempre foi ao longo de sua história. Guerra civil na Síria com milhares de mortos e centenas de milhares de refugiados, mais a destrução de uma nação.  A crise econômica europeia se alastra mais um ano. Enquanto  na América Latina vivemos uma das décadas mais fantásticas de nossa história: sem importar  o modelo econômico e político, todos os países da região cresceram e estabilizaram políticamente.  Muito longe das sombrias décadas das ditaduras dos anos 60 e 70s.  

A frase que abre este post foi tomada do primeiro capítulo do livro de Carl Sagan: O Mundo assombrado por seus Demônios.  O título do post também faz referência ao título do livro.  O livro caiu nas minhas mãos  uns dias atrás, embora o conheço desde que foi publicado, pouco antes da morte do genial astrônomo e divulgador científico, criador da série para TV, Cosmos. O mundo assombrado por seu demônios foi publicado em 1995, e Sagan faleceu em 20 de dezembro de 1996.  A leitura do livro me passa a impressão de estar impregnado de uma sorte de pessimismo de alguém próximo da morte. Mas não estou seguro disto.

Com exceção de alguns capítulos postados na Internet, não  li o livro antes.  O primeiro capítulo me impressionou porque encontrei nas  palavras dele minhas palavras.  Que tipo de plágio involuntario pude ter feito?  Cómo pude chegar nas mesmas conclusões sem tê-lo lido nunca?  A coisa mais preciosa se chama o primeiro capítulo e  nele expõe a modo de introdução sua fê na ciência.  Uso a palavra de propósito, porque efetivamente, em última instância, tem algo de espiritual atrás de cada cientista.  E aí Sagan me leva indagar a origem da palavra espírito: em latim spiritus indicava o álito, a respiração.  Talvez porque é invisível e provem  de nosso interior, os romanos o relacionaram com o mais subjetivo do ser humano.  Então, o espiritual está ligado ao material desde a mesma origem da palavra que lhe deu existência.  

A pergunta que norteia o livro de Sagan é por qué tantas pessoas são levadas por um relato fantástico da realidade que não tem nenhum fundamento?  Essa foi também a pergunta que me fiz  uns anos atrás, que estendi a: por qué tantas pessoas se desanimam pensando que nosso mundo está assombrado?  Essa preocupação me levou a escrever um livro: 2012: A Hora Última. Sagan cita a Edmund Way Teale que diz:
Moralmente é tão condenável não querer saber se uma coisa é verdade ou não, desde que ela nos dê prazer, quanto não querer saber como conseguimos o dinheiro, desde que ele esteja na nossa mão.
Aquele que, questionado de que uma pseudo-terapia não tem base científica  alguma,  responde que o importante é que é efetiva para curar, está cometendo a conduta moralmente condenável da que fala Teale.  Diz Sagan:
É desanimador descobrir a corrupção e a incompetência governamentais, por exemplo, mas será melhor não saber a respeito?  A que interesses a ignorância serve?  Se nós, humanos, temos uma propensão hereditária a odiar os estranhos, o único antídoto não é o autoconhecimento? Se ansiamos por acreditar que as estrelas se levantam e se põem para nós, que somos a razão da existência do Universo, a ciência nos presta um desserviço esvaziando nossa presunção?
 A ciência nos liberta, diz Sagan, talvez é triste, mas não tem remédio
Descobrir que o Universo tem cerca de 8 a 15 bilhões de anos, em vez de 6 a 12 mil, aumenta a nossa apreciação de sua estensão e grandiosidade; nutrir a noção de que somos uma combinação especialmente complexa de átomos, em vez de um sopro de divindade, pelo menos intensifica o nosso respeito pelos átomos; descobrir como agora parece provável, que o nosso planeta é um dentre bilhões de outros mundos na Vía Láctea, e que nossa galáxia é uma dentre bilhões de outras, expande majestuosamente a arena do qué é possível; saber que os nossos antepassados eram também os ancestrais dos macacos nos une ao restante da vida e torna possíveis reflexões importantes - ainda que por vezes tristes - sobre a natureza humana.
Mas no final afirma que
Evidentemente,não há retorno possível.  Querendo ou não, estamos presos à ciência. O melhor é tirar o máximo proveito da situação. Quando chegarmos a compreende-la e reconhecermos plenamente a sua beleza e o seu poder, veremos que, tanto nas questões espirituais quanto nas práticas, fizemos um negócio muito vantajoso para nós.
O mais importante da ciência, no entanto, não são seus descobrimentos, sempre sujeitos à alterações em razão de outros novos, mas o método, o caminho que nos conduz, as vezes tateando e a cegas, as vezes em círculos, mas que é sempre conseqüênte consigo mesmo e obediente com a Natureza, fim e objeto dos seus desvelos. Em palavras de Sagan:
É um desafio supremo para o divulgador da ciência deixar bem clara a história real e tortuosa das grandes descobertas, bem como os equívocos e, por vezes, a recusa obstinada de seus profissionais a tomar outro caminho. Muitos textos escolares, talvez a maioria dos livros didáticos científicos, são levianos nesse ponto.  É muitíssimo mais fácil apresentar de modo atraente a sabedoria destilada durante séculos de interrogação paciente e coletiva da Natureza do que detalhar o confuso mecanismo da destilação.  O método da ciência, por mais enfadonho e ranzinza que pareça, é muito mais importante do que as descobertas dela.

Sagan morreu antes que as profecias milenaristas se propagaram mundialmente, embora as intuia.  Seu livro foi escrito com o intuito de diminuir o desvelo de tantas pessoas aterrorizadas, assombradas, por falsas afirmações.  A pouco mais de 15 anos de sua morte, depois de ter pressenciado os falsos apocalípses de 2000 e 2012, parece que sua palavra foi em vão. A ciência se mostra longe dos leigos que antigamente temiam os mostros marinhos e os vértices de uma Terra plana, e hoje se espantam com catástrofes impossíveis: continentes deslizando como gigantescos Titanics, o campo geomagnético enlouquecido alterando a psíque das pessoas, raios mortíferos provenientes do Centro Galático, e gigantescas labaredas solares a incinerar toda a vida na superfécie terrestre. 

Mas, quem sabe, nem todo está perdido.  O mundo assombrado pelos demônios tem um subtítulo na versão inglesa: a ciência vista como uma vela no escuro. Enquanto  essa vela continue acessa, há esperança.

sábado, 15 de diciembre de 2012

21 de dezembro de 2012: a uma semana do fim

E aqui estamos nós. A menos de uma semana de uma magna data. Aquela marcada para ser o Fim do Mundo.  Um novo Fim.  Em diferentes sítios de Internet, relógios mostram quantos dias, horas, minutos e segundos faltam para a hora H, como este sítio oficial do 21 de dezembro de 2012, onde também podem ver um vídeo do entediante anúncio do guia de sobreviventes para os meses de desastres que estão por vir.

Neste momento, enquanto escrevo estas linhas, restam apenas 5 dias e 14 horas.

Como já comentei no sítio dedicado às profecias de 2012: A Hora Última, desde que tomei contato com esta teoria fiquei fascinado.  Fascinado por sua propagação mundial.  Por qué este Apocalipse tem mais chegada que outros anteriores?  É porque tem a ver  com os maias, povo extinto? Hollywood nos entregou, com seu filme 2012, uma descrição luxuosa em detalhes, barroca no estilo e absurda nos conteúdos do que irá nos acontecer em... menos de 7 dias.  Supostos meios de divulgação científica, como o Discovery Channel, aportaram sua dose de confusão criando documentários extravagantes e sesgados, longe dos afazeres e as preocupações dos cientistas de carne e osso que cada dia se desdobram para arrancar da austera natureza uma mínima amostra de conhecimento.  Também a TV local fez seu aporte. As mesas das livrarias inundaram-se de textos vários que contam de formas diferentes o signficado profundo desta época.  Todos eles dizem que haverá sinais externas, fenômenos que objetivamente todos poderemos observar, que nos indicarão o fim das épocas.

E eu, declarado atéu dos Apocalipses, dediquei tempo e esforço para desmontar esta intriga criada por  autores norte-americanos,  que uns 30 anos atrás encontraram fracos argumentos a favor de uma teoria desmesurada.  Foquei nos sinais, os fenômenos objetivos.  Tanto nas páginas do sítio Web que criei especialemente, como neste blog mais dinâmico, analisei àqueles que parecem mais significativos. Meu veredicto é que no há motivo nenhum de preocupação.

Recapitulando

O argumento fundamental é o suposto fim de um ciclo calendárico maia antigo, a Contagem Longa, quando chegue o dia 13.0.0.0.0 desse calendário. Na verdade não é completamente seguro que a Contagem Longa seja periódica.  Nos  códices maias, escritos durante o período pósclássico (depois do ano 1100), aparecem datas que ultrapassam este número.  Mais importante ainda, recentemente foram descobertas inscrições num templo, datadas na época preclássica (entre os anos de 2000 AC e 250 DC), quando o calendário era criado, que apresentam a data 17.0.1.3.0 muito posterior ao 13.0.0.0.0. Os maias abandonaram a Contagem Longa durante o período posclássico, talvez até perderam interesse nela.  Quando os espahnois aportaram em suas terras, no ano de 1524, o sistema já não era mais usado: como poderíamos nos informar então?

Mas, ainda se acreditássemos que efetivamente o calendário recomeça o dia maia 13.0.0.0.0, como saber a qual data de nosso calendário (o gregoriano) corresponde?  Os calendários maias não têm qualquer base astronômica. A sincronização entre ambos os sistemas de contar datas é muito complexa e sujeita a erros.  Eu juntei, na tabela abaixo, algumas das datas prováveis  para o dia 13.0.0.0.0. Na primeira coluna aparece o autor do trabalho, na segunda o número usado para correlacionar os calendários, na terceira aparece o dia gregoriano correspondente à origem do calendário maia (0.0.0.0.0) e na última temos a data gregoriana do suposto fim (e recomeço) do calendário maia. A linha com fundo cinza, ressalta o valor que os autores norte-americanos das profecias maias consideram quando afirmam que estamos nas vésperas de um câmbio universal.  Note-se no entanto, que essa data corresponderia ao 23 de dezembro e não ao 21 como é proclamado. De resto, vemos que o Fim da Contagem Longa poderia ter acontecido em 1734 ou poderá vir a ocorrer em 2532.

AutorValor 0.0.0.0.013.0.0.0.0
Smiley48269926 Jun 3392 AC5 Nov 1734
Makemson48913811 Fev 3374 AC22 Jun 1752
Spinden48938415 Out 3374 AC23 Fev 1753
GMT*58428513 Ago 3114 AC23 Dez 2012
Böhm 622261 4 Ago 3010 AC14 Dez 2116
Kreichgauer62692714 Mai 2997 AC 23 Set 2129
Wells, Fuls66020827 Jun 2906 AC 6 Nov 2220
Hochleitner67462522 Dez 2868 AC 3 Mai 2259
Escalona Ramos67910827 Mar 2874 AC5 Ago 2272
Weitzel7740783 Abr 2594 AC12 Ago 2532
*GMT significa Goodman, Martínez e Thompson. Outro valor frequentemente citado de GMT é 584283. Com este valor 13.0.0.0.0 é no 21 de dezembro de 2012. 

Os Sinais

Os apocalipses vêm sempre precedidos por sinais.  Os deuses (ou o Deus) os enviam para alertar os bons que devem atuar para se proteger.  Os sinais nos tempos modernos pretendem ter base científica.  E no caso das profecias maias não é diferente.  Três são as versões mais conhecidas (na lista adicionamos mais uma) :

  1.  Supertempestade Solar.  Sabemos há 150 anos que o Sol tem violentos desprendimentos de matéria e energía que alteram o meio interplanetário onde se encontra a Terra. Sabemos também que as tempestades solares têm sua frequencia e intensidade moduladas pelo chamado Ciclo Solar, cuja representação mais característica é por meio do índice de manchas.  O Ciclo Solar tem uma duração aproximada de 11 anos (mais ou menos 3) e neste momento atravessamos um periodo de aumento da frequência de tempestades solares: é o que denominamos máximo de atividade solar.  Sabemos por último, que dada a distância que nos separa de nossa estrela central e a atmosfera e magnetosfera terrestres, os efeitos das tempestades solares são muito pequenos para a vida na Terra, de fato o fenômeno passou despercebido por milhares de anos, e só foi descoberto por acaso usando um telescópio em 1859.  Os profetas chegaram a afirmar que este ciclo sería mais intenso que os anteriores e que uma tempestade solar poderia pôr em perigo toda a humanidade, embora sem indicar como.  (Também tem autores do âmbito científico que deram voz de alarme, de maneira completamente irresponsável. Ver esta série de posts: 1, 2 e 3).  No entanto estamos monitorando a atividade solar (é, por outra parte, minha especialidade profissional) e muito pelo contrário o Sol mostra sinais de fadiga. Como já fizemos no passado, mostramos na figura abaixo a atividade do sol no passado recente atualizada até o mês de novembro. A curva preta representa o índice de manchas observado, a curva vermelha, a previsão a futuro.  Como pode-se ver, o índice é hoje  metade do que era durante o anterior pico da atividade.  E a tendência é seguir assim. Aliás, a atividade dos últimos 15 días foi muito esparsa, então esperamos que para o dia 21 de dezembro não haja muitas novidades.
  2. Inversão do Campo Magnético Terrestre.  Este fenômeno natural, que já aconteceu muitas vezes no passado, suscita também a preocupação dos profetas que afirmam que será um sinal mais, e que virá acompanhado por crises mundiais, sociais e econômicas. No entanto não há razão para supôr que a inversão acontecerá nos próximos dias. O processo, que talvez já começou, leva milhares de anos para se completar, o último aconteceu há quase um milhão de anos.  As escalas temporais geológicas são longas.  Mesmo se o campo se inverter dentro de pouco tempo, não é muito lógico pensar que irão acontecer desastres.  Ao final de contas já aconteceu centenas de vezes no passado e tanto a vida em geral, como o homem em particular sobreviveram. Mais informações aqui e aqui.
  3. Alinhamento Galático. Diz a profecia que o Sol e o centro galático ficarão numa linha reta um com o outro, que esse dia será o 21 de dezembro, data do solstício, e que então poderosos jatos emanados do Centro Galático atingirão a Terra.  Dizem também que esta coincidência só acontece a cada 26.000 anos por culpa da precessão dos equinócios.  Mostramos que não há qualquer  alinhamento previsto para a data, nem para os 200 anos entre 1900 e 2100. Também escrevemos, que não há nenhum jato galático que possa nos afetar.  
  4. Asteróide. Menos citado, sempre aparece a suposta existência de um asteróide em direção da Terra. A menos de uma semana, se com todos os telescópios que observam o céu em busca de asteróides assassinos aínda não foi detectado é porque deve estar por trás de Júpiter e assim apenas nos poderia fazer algum dano dentro de muitos anos. À presente, apenas dois asteróides escapam da clasificação 0 (nenhum perigo) da Escala de Torino, para 1 (risco baixo) e as datas previstas de aproximação da Terra são entre 2040 e 2057. A Tabela completa está neste link.
Se devemos nos basear nestes sinais para acreditar na proximidade de uma catástrofe,  não vamos ser convencidos. Muito próximos da data, seguimos sem ver nenhum deles.  Por esse motivo não nos cabe a menor sombra de dúvida ao dizer que o curso da história da humanidade continuará muito além do 21 de dezembro de 2012, com suas misérias e grandezas.  Também não temos dúvida que novos profetas já estão escrevendo sobre os próximos apocalipses que também nunca irão a acontecer.  

Nos propusemos desde o início de nosso trabalho, que este blog  leve uma voz otimista com a visão científica.  E assim continuaremos.

Porque nossa  Última Hora ainda não chegou.

miércoles, 5 de diciembre de 2012

Alinhamento Planetário sobre as Grandes Pirâmides Egipcias

Nas redes sociais circula uma foto que fala de um alinhamento planetário, uma estranha disposição de Saturno, Vênus e Mercúrio que, quando fotografado próximo das grandes pirâmides de Guiza, (Keops, Kefrén e Micerino, ou em seus nomes egípcios Jufu, Jafra e Menkaura) aparecem justo acima de cada uma das construções. A foto em questão tem o seguinte comentário: Alinhamento planetário sobre Guiza. Acontece unicamente a cada 2.737 anos. Abaixo a foto.
Pirâmides de Micerino, Kefrén e Keops (de esquerda para direita). Acima delas as três estrelas, supostamente Mercúrio, Vênus e Saturno numa estranha conjunção.

Obviamente que esta conjunção foi relacionada com as profecias maias (estranho que não falaram  que o ciclo é de 5128 anos, o uma Contagem Longa maia). A verdade é que a foto parece muito falsa, mesmo assim decidi  verificar a informação.  Em primeiro lugar temos que ver a orientação da foto.  O diagrama abaixo mostra a disposição das pirâmides mais famosas da antiguidade egípcia.
Diagrama das grandes pirâmides de Guiza, com os nomes acima. Fonte Wikipedia, acesso em 04/12/2012.
Comparando com a foto, o diagrama mostra que foi tomada desde o Sul, olhando em direção Leste, ou seja, direção Norte-Leste.  O segundo passo é verificar a posição relativa dos planetas.  A conjunção é real, Saturno, Vênus e Mercúrio estão muito juntos, e aínda próximos do Sol.  Justamente, por estarem tão perto do Sol, podem ser vistos unicamente antes do amanhecer, ou seja, olhando em direção Sul-Leste e não Norte-Leste.  Além do mais, a posição relativa dos planetas é muito mais vertical.  O diagrama abaixo representa o céu sobre Guiza em 5 de dezembro de 2012 as 6:34 da manhã (hora local) obtido usando o programa gratuito kstars

A linha verde representa o horizonte, SE indica a direção Sul Leste, o que fica debaixo não pode ser visto ainda.  Quase no centro, abaixo da linha verde, o pequeno círculo amarelo é o Sol (Sun), indicando que está por amanhecer, o céu deveria estar mais claro que na foto. Por cima do horizonte, em letras amarelas, vemos os nomes dos três planetas (Mercury, Venus, Saturn) ao lado de pontos brilhantes.  A mancha cinzenta representa a Via Láctea e vemos também as linhas ligando estrelas que representam as constelações.  Fica claro deste esquema, que a posição mostrada na suposta foto do alinhamento é completamente falsa.  Poderiamos também analisar as posições relativas das estrelas para ver a qué distância das pirámides nos deveriamos colocar para ver  a coincidência de um planeta sobre cada pirâmide, mas acredito que os elementos até aqui apresentados já mostram a falsidade da foto.

Que a suposta repetição deste estranho fenômeno (2737 anos) é pura invenção fica fora de questão. Sabendo que Saturno, o planeta mais lento dos três, tem um periodo orbital de 30 anos, podemos supor que suas conjunções com Vênus, que tem um periodo orbital de 224 dias, e Mercúrio, que orbita em torno do Sol a cada 88 dias, aconteçem a cada 30 anos aproximadamente.

A foto da conjunção, além de pouca qualidade fotográfica demonstra pouca investigação, porque não custa muito buscar uma foto das pirâmides em direção Leste olhando para o Sul e superpor os planetas na posição em que se encontram realmente.  Muito trabalho para uma questão tão efêmera.  Tão efêmera como as ideias que intenta difundir.  

É bem provável que a teoria da conjunção única continue. Por exemplo, em 12 de janeiro de 2013, depois de sobreviver ao Apocalipse veremos, como no diagrama da figura abaixo,  que Vênus, Plutão, Mercúrio, o Sol e a Lua estarão bem próximos.  Saturno estará afastado do resto (acima a direita na figura) e Marte estará entrando baixo a esquerda. Não causará muita impressão, no entanto, porque o Sol ofuscará os demais objetos.  Talvez esta conjunção seja merecedora do rótulo de única em 10.000 anos. Quem sabe venham nos contar que a última vez que foi vista  construían as pirâmides... Ou qualquer outra coisa, porque nesta época de propagação instantânea das ideias, a incontinência do enter vence qualquer reflexão.

Esquema que representa o céu as 8:34 do sábado 12 de janeiro de 2013 em Guiza olhando em direção Sul Leste.