lunes, 20 de febrero de 2012

Terremotos e Tempestades Solares - II

No post anterior concluimos que não era posível que a atividade solar na forma de explosões ou ejeções de massa pudesse contribuir com a ocorrência de terremotos: sendo os terremotos um fenômeno originado no interior da Terra, não vemos como as ondas electromagnéticas ou as partículas carregadas poderiam furar a rocha para chegar até a base onde as placas tectônicas repousam, e chacoalha-las.  Eu procurei tempo atrás se havia algum  aumento na frequẽncia dos terremotos e não achei qualquer tendência, como podem ver nos posts anteriores, aqui e aqui. No entanto, existem trabalhos científicos que concluem que essa interação existe.  Neste post vamos analisar alguns desses trabalhos. Ele será mais extenso que os outros e bastante mais técnico.  É necessário se   queremos entender a relevãncia dos estudos.

Na verdade são muito poucos os estudos sobre o tema, menos de 30 nos últimos 50 anos.  A maioria deles foram publicados por cientistas soviéticos (por exemplo A. D. Sytinskiy) em revistas da ex-União Soviética, em russo, alguns têm traduções ao inglês em revistas de difícil acesso.   Minha busca está lonje de ser apurada, mas não creio me equivocar quando afirmo que não é um campo muito fértil de pesquisa e que é levado adiante por poucos grupos independentes esparços no mundo e que não convenceram ainda ao resto da comunidade.

Vou comentar dois trabalhos que pude ler completos. Não vou entrar nos detalhes, mas comentar o que me interessa no contexto deste blog: os estudos têm alguma relação com as profecias maias ? 

John F. Simpson publicou em 1967 um estudo titulado Solar Activity as a triggering mechanism for earthquakes (A atividade solar como mecanismo ativador de terremotos), na revista Earth and Planetary Science Letters, volume 3 (1967), páginas 417+. Simpson usou um banco de dados de terremotos sem distinção em magnitude, entre 1950 e 1963 e comparou sua frequência diaria com o índice de Zürich (ou de manchas solares), o fluxo solar em 10,7 cm (chamado Componente solar lenta) e um índice do campo magnético terrestre llamado kp. Ele observa que passados dois anos do máximo de atividade solar há um aumento na  ocorrência de terremotos.  Procurando correlacionar estes índices descobre uma relação cúbica entre ambos sendo que a maior frequência de sismos dá-se quando o índice de manchas solares é em torno de 180 e o fluxo da componente lenta solar de 200. Aumentar os índices acima destes valores diminui a frequência de terremotos.  Embora a relação estatística parece bem demonstrada, a importância da mesma não demonstra ser chave na dinâmica dos terremotos: enquanto a média de sismos diários é de 4,6,  a atividade solar os incrementaria até 5,5. E lembremos que neste trabalho foram considerados os sismos de qualquier magnitude.  O próprio autor diz (tradução minha)

Não há dúvidas que a relação causa - efeito precisa entre atividade solar e  terremotos é que a primeira atua como mecanismo  ativador dos segundos. A distribuição geográfica e as relações tectônicas inibem qualquer dependência causal subjacente entre terremotos e atividade solar. No entanto, é inevitável concluir que o ciclo de atividade solar é significativo embora de forma alguma exclusivo na regulação temporal da liberação de energia  acumulada na crosta terrestre. 
O segundo trabalho, más recente, foi realizado por vários autores da Rússia e Bulgária: Long-period trends in global seismic and geomagnetic activity and their relation to solar activity (Tendências de longo periodo da atividade sísmica e geomagnética e sua relação com a atividade solar), por S. Odintsov, K. Boyarchuk, K. Georgieva, B. Kirov e D. Atanasov, na revista Physics and chemistry of the earth, volumen 31 (2006), página 88+.

Neste trabalho os autores usam diferentes bancos de dados. No primeiro caso é um levantamento dos terremotos na área do Mediterráneo até o século X, realizado por meio de estudos históricos e outras fontes indiretas (ou seja, não há informação da magnitude dos mesmos). Para comparar usam estimações do índice de manchas a partir do ano 300 (o índice só foi estabelecido no século XIX e podemos calculá-lo mais ou menos corretamente desde o ano 1609).  O trabalho compreende então os anos 300 até 1000 comparando o total de terremotos durante um período de 11 anos com a estimação do índice para o máximo de atividade. O resultado pode ser visto na figura abaixo.
Número de terremotos acumulados en 11 anos (linha cheia)
e índice de manchas estimado (linha tracejada).
À primeira vista pode impressionar, mas, temos que ressaltar que os autores sumaram todos os terremotos num período de 11 anos apagando qualquer variação intra cíclica.  A conclusão é que naqueles ciclos de maior intensidade durante o máximo de atividade, podem aumentar significativamente os terremotos, embora não sabemos em qual momento do ciclo. O coeficiente de correlação entre ámbas as séries é 0,47, não muito alto em termos estatísticos, embora a probabilidade de ser ao acaso é inferior a 1% (p<0.01). A relação parece, apenas, sugestiva.

Como segundo passo os autores analisam os terremotos entre 1900 e 1999 e comparam a ocorrência de sismos com o índice de manchas.  Eles encontram um aumento na quantidade de terremotos durante o mesmo ano do máximo solar, e três anos depois também.  Vejam o gráfico.

A linha cheia representa o número anual de terremotos  de magnitude maior que 7 em médias tomadas durante um ano, relativos ao momento de máxima atividade solar (año=0).  A linha tracejada é a média anual do índice de manchas.  Têm dois picos, no ano=0 (max 1) e no ano=3 (max 2).  Também à primeira vista o gráfico impressiona, mas gostaria destacar o seguinte: a média anual de terremotos é 20 com um desvio padrão S=7.  A média de terremotos durante max1 é 22,6 com S=8 e o de max2 é 21,3 com S=9.  Estatisticamente uma distribuição aleatória tem uma probabilidade de quase 70% de estar entre a média mais ou menos o desvio padrão S. Em outras palavras, a figura é sugestiva, mas estatisticamente irrelevante porque as três médias têm grande probabilidade de serem iguais.   O artigo ainda continua com outras análises, intentando mostrar a relação causal (supõem dois drivers: ejeções de massa coronal e o vento rápido solar) mas eu vou parar por aqui, porque seus argumentos não terminam de me convencer e também não quero os leitores fugindo em massa desta página.

Conclusões. Simpson encontrou um pico de frequência de  terremotos dois anos depois do máximo do ciclo solar,  já Odintsov e colegas, encontram o pico de sismos durante  o mesmo ano do máximo.  Os trabalhos são contraditórios.  A relação, tão sequer estatisticamente, está lonje de ter sido comprovada.

E a respeito das profecias de 2012?  Aceitando as conclusões de Simpson, os efeitos só se farão sentir em 2015 (dois anos depois do máximo esperado para maio de 2013). Se seguimos a Odintsov, por outro lado, a primeira correlação que eles obtêm mostra que o número de terremotos é proporcional ao índice de manchas durante o máximo: o presente ciclo solar é muito pobre em manchas, espera-se um índice  máximo um terço menor que o anterior, que já foi um terço inferior a seu predecessor.  O máximo de atividade solar dos últimos 400 anos se deu durante o ciclo cujo máximo aconteceu na década de 50.  Então, se sobrevivemos  àquela época, creio que poderemos sobreviver à atual. 

Terremotos e tempestades solares - I

Uma versão sacude a Internet e até ganhou destaque na mídia nos últimos tempos.  Tomei conhecimento dela a semana passada assistindo o Globo Reporter,  programa que me gerou um grande desgosto e por isso abri um post .

Reconheço que é necessária muita imaginação para pensar que os terremotos podem ser produzidos pela atividade solar, seja por meio de explosões ou ejeções de Massa Coronal. Seguramente por esse motivo é que me escapou esta especulação que é tão útil para os que aguardam o fim do mundo em dezembro de 2012.

Esquema do interior terrestre. Os continentes
estão na crosta (litosfera).
(Obtido da Wikipedia, el 14/02/2012)




Vejamos. Nossa Terra não solidificou completamente, seu núcleo está a alguns milhares de gráus  e a maior parte de seu interior é uma espécie de flúido viscoso.  Nosso chão, a base sobre a que estamos parados, sobre a que construimos prédios de centenas de metros de altura e sobre a que erguem-se montanhas de milhares de metros, o assento de nossa confiança no Universo, é o setor mais fino do Globo, uma camada de centenas de km que flutua acima desse mar betuminoso de milhares de km de profundidade. A litosfera, como se chama esta camada sólida que é também nosso solo, está dividida em placas tectônicas. E estas placas se movimentam de acordo a pressões internas e das placas vizinhas.  A energia para gerar este movimento resulta das forças  que surgem do calor interno e do movimento por convecção do manto terretre.  Lentamente, ao longo de séculos, as placas vão modelando a superfície da Terra.  Esse movimento, que não passa de alguns milímetros por ano no melhor dos casos, necessariamente produz tensões, a maior das vezes insensíveis para nossos sentidos.  De vez em quando, no entanto, a energia liberada é, para nossa pequena escala humana, demasiadamente grande: nossos edifícios quebram-se em pedazos e caem, nossas estradas se quebram ao longo de imensas ranhuras, e, principalmente, nosso sentido de segurança se ve abalado.  Os jornais enchem de manchetes gigantescas: "Abalo sísmico de magnitude XXX acontece na M e deixa NNN mortos". Os tsunamis, são as ondas marinas produzidas como consequência de alguns terremotos.
Velocidad de deriva de los continentes.
(Obtenido de la Wikipedia, el 14/02/2012)

Ou seja, um terremoto surge pela atividade interna da Terra. A única forma de alterar este  processo natural seria modificando a dinâmica interna. De qualquer forma eu acho que as escalas temporais são bastante grandes, centenas de anos no mínimo, se não milhares ou ainda mais: uma excitação hoje, se faria sentir só dentro de milhares de anos. Então, onde entra uma  perturbação externa como disparador de terremotos? Em lugar nenhum. 

As explosões solares são processos de liberação de energia na forma de ondas electromagnéticas (luz), e partículas subatômicas de alta energia (elétrons e prótons). Nem as ondas electromagnéticas conseguem atravezar a casca terrestre (nem sequer chegam no fundo dos oceânos) nem as partículas subatômicas penetram além de alguns km.  Se nenhuma das duas formas de energia chega ao manto, não têm como incidir na produção de terremotos. Então a resposta à pergunta do título deste post é um  NÃO unânime.

Mas... sutil é o Senhor, dizia Einstein. Alguns pesquisadores acreditam ter achado alguma evidência de que as explosões solares podem disparar terremotos.  Esse tema nos ocupará no próximo post. Por enquanto, continuamos com a especulações,

Há um tipo de partícula que chega até o próprio núcleo terrestre: o neutrino.  O problema é que o neutrino, a partícula mais leve do Universo, e que não possui carga, quase não interage com a matéria.  Por esse motivo é que escapa do interior ainda mais denso do Sol e atravesa a Terra como se fosse um papel de seda. E por esse motivo os espertos roteiristas do filme 2012 imaginam uma mudança no comportamento dos neutrinos que aumentam seu intercâmbio com o núcleo terrestre, incrementando sua temperatura, o que se traduz em novos movimentos tectônicos e assim numa interminável, imediata  e incrível sucessão de gigantescos terremotos.

Só que os neutrinos são produzidos em grande quantidade no núcleo solar sem relação com as explosões, fenômeno eminentemente superficial.  Os neutrinos são un subproduto da fusão nuclear que, apartir de quatro prótons, forma um núcleo de He4 no chamado ciclo p-p. 

De qualquer forma não há de que se preocupar, os detectores de neutrinos não encenderam nenhum sinal de alarma.  E isso que, é bom lembrar, em torno de um milhão (1.000.000) de neutrinos atravesam nosso corpo a cada segundo.