martes, 5 de marzo de 2013

O mundo e seus demônios

"Quando a ignorância é felicidade, é loucura ser sábio." 
 (Thomas Gray)

Escrevo estas linhas mais de dois meses depois da fatídica data de 21 de dezembro de 2012.  Nenhuma das graves profecias anunciadas aconteceu de fato. O mundo segue seu caminho  tortuoso e esperançoso, como sempre foi ao longo de sua história. Guerra civil na Síria com milhares de mortos e centenas de milhares de refugiados, mais a destrução de uma nação.  A crise econômica europeia se alastra mais um ano. Enquanto  na América Latina vivemos uma das décadas mais fantásticas de nossa história: sem importar  o modelo econômico e político, todos os países da região cresceram e estabilizaram políticamente.  Muito longe das sombrias décadas das ditaduras dos anos 60 e 70s.  

A frase que abre este post foi tomada do primeiro capítulo do livro de Carl Sagan: O Mundo assombrado por seus Demônios.  O título do post também faz referência ao título do livro.  O livro caiu nas minhas mãos  uns dias atrás, embora o conheço desde que foi publicado, pouco antes da morte do genial astrônomo e divulgador científico, criador da série para TV, Cosmos. O mundo assombrado por seu demônios foi publicado em 1995, e Sagan faleceu em 20 de dezembro de 1996.  A leitura do livro me passa a impressão de estar impregnado de uma sorte de pessimismo de alguém próximo da morte. Mas não estou seguro disto.

Com exceção de alguns capítulos postados na Internet, não  li o livro antes.  O primeiro capítulo me impressionou porque encontrei nas  palavras dele minhas palavras.  Que tipo de plágio involuntario pude ter feito?  Cómo pude chegar nas mesmas conclusões sem tê-lo lido nunca?  A coisa mais preciosa se chama o primeiro capítulo e  nele expõe a modo de introdução sua fê na ciência.  Uso a palavra de propósito, porque efetivamente, em última instância, tem algo de espiritual atrás de cada cientista.  E aí Sagan me leva indagar a origem da palavra espírito: em latim spiritus indicava o álito, a respiração.  Talvez porque é invisível e provem  de nosso interior, os romanos o relacionaram com o mais subjetivo do ser humano.  Então, o espiritual está ligado ao material desde a mesma origem da palavra que lhe deu existência.  

A pergunta que norteia o livro de Sagan é por qué tantas pessoas são levadas por um relato fantástico da realidade que não tem nenhum fundamento?  Essa foi também a pergunta que me fiz  uns anos atrás, que estendi a: por qué tantas pessoas se desanimam pensando que nosso mundo está assombrado?  Essa preocupação me levou a escrever um livro: 2012: A Hora Última. Sagan cita a Edmund Way Teale que diz:
Moralmente é tão condenável não querer saber se uma coisa é verdade ou não, desde que ela nos dê prazer, quanto não querer saber como conseguimos o dinheiro, desde que ele esteja na nossa mão.
Aquele que, questionado de que uma pseudo-terapia não tem base científica  alguma,  responde que o importante é que é efetiva para curar, está cometendo a conduta moralmente condenável da que fala Teale.  Diz Sagan:
É desanimador descobrir a corrupção e a incompetência governamentais, por exemplo, mas será melhor não saber a respeito?  A que interesses a ignorância serve?  Se nós, humanos, temos uma propensão hereditária a odiar os estranhos, o único antídoto não é o autoconhecimento? Se ansiamos por acreditar que as estrelas se levantam e se põem para nós, que somos a razão da existência do Universo, a ciência nos presta um desserviço esvaziando nossa presunção?
 A ciência nos liberta, diz Sagan, talvez é triste, mas não tem remédio
Descobrir que o Universo tem cerca de 8 a 15 bilhões de anos, em vez de 6 a 12 mil, aumenta a nossa apreciação de sua estensão e grandiosidade; nutrir a noção de que somos uma combinação especialmente complexa de átomos, em vez de um sopro de divindade, pelo menos intensifica o nosso respeito pelos átomos; descobrir como agora parece provável, que o nosso planeta é um dentre bilhões de outros mundos na Vía Láctea, e que nossa galáxia é uma dentre bilhões de outras, expande majestuosamente a arena do qué é possível; saber que os nossos antepassados eram também os ancestrais dos macacos nos une ao restante da vida e torna possíveis reflexões importantes - ainda que por vezes tristes - sobre a natureza humana.
Mas no final afirma que
Evidentemente,não há retorno possível.  Querendo ou não, estamos presos à ciência. O melhor é tirar o máximo proveito da situação. Quando chegarmos a compreende-la e reconhecermos plenamente a sua beleza e o seu poder, veremos que, tanto nas questões espirituais quanto nas práticas, fizemos um negócio muito vantajoso para nós.
O mais importante da ciência, no entanto, não são seus descobrimentos, sempre sujeitos à alterações em razão de outros novos, mas o método, o caminho que nos conduz, as vezes tateando e a cegas, as vezes em círculos, mas que é sempre conseqüênte consigo mesmo e obediente com a Natureza, fim e objeto dos seus desvelos. Em palavras de Sagan:
É um desafio supremo para o divulgador da ciência deixar bem clara a história real e tortuosa das grandes descobertas, bem como os equívocos e, por vezes, a recusa obstinada de seus profissionais a tomar outro caminho. Muitos textos escolares, talvez a maioria dos livros didáticos científicos, são levianos nesse ponto.  É muitíssimo mais fácil apresentar de modo atraente a sabedoria destilada durante séculos de interrogação paciente e coletiva da Natureza do que detalhar o confuso mecanismo da destilação.  O método da ciência, por mais enfadonho e ranzinza que pareça, é muito mais importante do que as descobertas dela.

Sagan morreu antes que as profecias milenaristas se propagaram mundialmente, embora as intuia.  Seu livro foi escrito com o intuito de diminuir o desvelo de tantas pessoas aterrorizadas, assombradas, por falsas afirmações.  A pouco mais de 15 anos de sua morte, depois de ter pressenciado os falsos apocalípses de 2000 e 2012, parece que sua palavra foi em vão. A ciência se mostra longe dos leigos que antigamente temiam os mostros marinhos e os vértices de uma Terra plana, e hoje se espantam com catástrofes impossíveis: continentes deslizando como gigantescos Titanics, o campo geomagnético enlouquecido alterando a psíque das pessoas, raios mortíferos provenientes do Centro Galático, e gigantescas labaredas solares a incinerar toda a vida na superfécie terrestre. 

Mas, quem sabe, nem todo está perdido.  O mundo assombrado pelos demônios tem um subtítulo na versão inglesa: a ciência vista como uma vela no escuro. Enquanto  essa vela continue acessa, há esperança.