sábado, 11 de agosto de 2012

Atividade Solar em Julho

Figura tomada de http://www.swpc.noaa.gov/SolarCycle/
em 11/08/2012.
Como todos já savem, o ciclo solar está chegando a seu máximo. Junto con ele vieram desta vez as profecias apocalípticas: as baseadas na interpretação do calendário maia e as que fundamentam-se em estudos geomagnéticos. Ambas brigam abertamente por imaginar os cenários mais assustadores.  

O certo é que enquanto nossos profetas escrevem seus apocalipses, a Natureza encarrega-se por desmentr.  A figura mostra a situação atual da atividade solar.  Os círculos pretos unidos por traços indicam o valor médio do índice de manchas do mês, a curva azul é uma média que suaviza as variações e a curva vermelha é a previsão a futuro, os números no eixo horizontal (abscissas)  são os anos a partir de 2000. Depois do pico do mês de outubro do ano passado, a atividade diminuiu, logo aumentou um pouco mas faz vários meses que estabilizou.  A menos de um ano do máximo, o Sol segue estando muito calmado.  

A última grande tempestade solar aconteceu em março de 1989, aquele ciclo foi de forma geral muito mais intenso que o atual.  Deveriamos esperar que uma supertempestade venha a ocorrer nos próximos meses? Não parece lógico. Enquanto isso os apocalípses terão de buscar uma desculpa para explicar seu erro.

miércoles, 8 de agosto de 2012

Riscos de uma supertempestade solar (III)

No post anterior falamos das emissões solares geradas durante um evento explosivo, como uma explosão ou uma ejeção de massa coronal.  Vamos ver agora as ameaças destas emissões segundo as visões mais pesimistas.
Típica aurora Polar observada em latitudes altas.


Aurora polar avermelhada, as vezes observada em latitudes menores.
Buscando na literatura  encontramos que a origem das ideias mais catastróficas é um único autor: John Kappenman, engenheiro elétrico norte-americano, proprietario da firma Metatech Corporation, que faz consultoría e brinda assistência à linhas de transmissão elétrica em questões de interferência ambiental ou intencional. John Kappenman se dedicou nos últimos 20 anos a estudar os fatores que podem danificar ou desestabilizar a transmissão de corrente elétrica.  Em reconhecimento a seu trabalho a National Academy of Sciences, o Congresso e o governo norte-americanos o chamaram para pedir conselho.  Em vez  destes relatórios em que utiliza uma linguagem técnica e fria, vou me referir aqui a um artigo que publicou na revista IEEE Spectrum, em fevereiro de 2012.  Esta revista, embora dedicada à divulgação técnico científica, pertence à mais prestigiosa associação de engenheria elétrica do mundo, responsável também pela publicação das melhores revistas relacionadas com a transmissão de eletricidade, as telecomunicações e a computação.  Não é um tabloide lido por milhões de pessoas, pelo contrário é seguida por um pequeno grupo de profissionais com formação universitária.  Em suma, é lida por formadores de opinião e gente das mais altas hierarquias empresariais e governamentais.  Por isso mesmo me assustou a linguagem utilizada.

Eu vou a traduzir o primeiro páragrafo deste artigo:
Linguas luminosas de intensas cores vermelhas, verdes e violetas brilham e pulsam através dos céus do norte e do sul como vastas conflagrações cósmicas. Em minutos, milhões de pessoas estão tuitando, enviando mensagens de texto pelo celular e blogueando sobre a fantástica visão.  Mas, repentinamente, o céu torna-se de cor  sangue vermelho  e a fascinação dá passo ao pânico. 
 Como podemos ver o início presságia as catástrofes que anunciará depois.
Relacionado com o espetáculo celestial acontecem enormes variações do campo magnético na magnetosfera terrestre, que causam imensos fluxos de corrente elétrica na atmosfera superior sobre a maior parte do planeta.  Estas enormes correntes perturbam o campo magnético terrestre normalmente calmo, que por sua vez induzem oscilações de corrente nas redes elétricas e de comunicações  entre os continentes.  As luzes das ruas  piscam até apagar, a eletricidad desaparece. Um blecaute planetário está acontecendo deixando vastas regiões de Norte e Sulamérica, Europa, Austrália e Ásia sem energia. 
E as coisas vão piorando com o passar do tempo,  
Em poucos meses, a crise se aprofunda. Em muitos lugares a falta de comida crece vertiginosamente, a água potável passa a ser um bem precioso e os pacientes que precisam de transfusões de sange, insulina ou drogras críticas morrem enquanto aguardam.  O comércio normal pára, substituido por um mercado negro e o crime violento.  Enquanto  as fatalidades crescem por milhões, a rede social desaba.  
O qué pode justificar tamanho prólogo apocalíptico?  Temos evidências de que algo assim poderia vir acontecer?  Segundo Kappenman embora não há evidências observacionais, pode-se especular com esta catástrofe mundial. O fundamento de seus argumentos é a comparação dos efeitos criados pelas maiores tempestades magnéticas registradas nos tempos modernos.

Danos provocados aos transformadores da Companhia de eletricidade de Quebec durante o blecaute de março de 1989 (Fonte: Severe Space Weather Events, Nat. Ac. Sci., 2008)
A primeira (na verdade foram mais de uma) aconteceu entre o 28 de agosto e o 4 de setembro de 1859. Em coincidência, Richard Carrington, astrônomo aficcionado inglês, observou em 1 de setembro através de seu telescópio a primeira explosão solar. Não  se tratou apenas da maior white light flare (explosão em luz branca) jamais observada, essa semana aconteceram as maiores pertubações do campo magnético terrestre  enquanto era  observado o céu avermelhado (aurora polar, ver foto acima) até nos trópicos, e as linhas telegráficas chegaram a curtocircuitar, algumas prenderam fogo e em outros casos, tinham corrente elétrica para funcionar com as baterias desligadas. Estes fenômenos foram observados por vários dias.   Há muitas testemunhas  presenciais embora na prática temos pouca precisão sobre a extensão dos danos. Como argumento é referido o fato de que em 1859 o telégrafo era o meio de comunicação mais avançado da época, o que hoje estaria representado por comunicações satelitais e telefonia móvel.

A pregunta que se faz Kappenman e acredita ter uma resposta correta é: o qué ocasionaria hoje uma tempestade geomagnética parecida com a de 1859.  Para responder parte do caso da tempestade de março de 1989, que deixou sem luz a  provincia de Quebec.  As correntes geoinduzidas (GICs) pelas partículas que entraram na atmosfera durante a tempestade,  sobrecarregaram a rede de alta tensão, o que criou um curtocircuito que se propagou rapidamente a outras redes.  O apagão prolongou-se por 9 horas e produziu perdas milhonárias.  A maior preocupação de Kappenman é com os transformadores de ultra alta tensão (EHV em inglês) que podem queimar por culpa das GICs, a confecção dos mismos é quase artesanal e portanto sua reparação ou substituição é muito demorada.  Se em escala global muitos destes EHV queimaram começãria um problema muito sério: a falta de eletricidade em vastas regiões provocaria graves problemas de alimentação, falta de água potável, carência de transporte e riscos severos na conservação de medicamentos por falta de geladeiras.

Se Kappenman não poupa na descrição apocalíptica inicial é porque ele está convicto que centenas de transformadores poderiam sair de serviço se outro evento Carrington (como são chamados os eventos da semana de 28/8 a 2/9/1859) voltasse a ocorrer.  O fator decissivo nos prejuizos induzidos por uma tempestade magnética é a variação do campo magnético. Em março de 1989, mudou entre 400 e 500 nT/minuto (nano teslas por minuto), sendo dos mais importantes das últimas décadas. No entanto, Kappenmann mostra que  en 1921 outra tempestade geomagnética teria provocado variaciões de até 5000 nT/minuto e o evento Carrington foi aínda maior.  (Como referência, o campo magnético terrestre é em torno de 60.000 nT em média)
É este o cenário de catástrofe que melhor descreve as predições de Kapenmann? A sociedade destruida, homens caçando homens. Frio, falta de alimentos, água e medicamentos. The Road, filme de John Hillcoat, estrelado por Vigo Mortensen.

Kappenman vai ainda mais longe. Ele especula com que poderiam chegar a acontecer centenas de Fukushimas.  Como?  Para compreender temos que ver como aconteceu o meltdown do reator japonês durante o tsunami de 2011: o terremoto disparou, por prevenção, o desligamento do reator, o tsunami ultrapassou o muro de contenção e a água invadiu a sala onde encontrava-se o gerador elétrico diesel de emergência, e a energia externa cortou quando cairam os postes elétricos por culpa do tremor. Em síntese Fukushima ficou em poucas horas sem nenhum tipo de eletricidade, por esse motivo não podia-se  fazer funcionar o circuito primário de arrefecimento, e o reator estava muito quente. No decorrer das horas e dias, o material começou a fundir e houve escape radioativo.  Então, se por culpa de uma tempestade geomagnética muitos transformadores EHV ficassem fora de funcionamiento, os reatores deverão ser desligados e passarão a depender do gerador diesel para fazer funcionar a bomba do circuito de arrefecimento.  Mas a norma é que os geradores têm combútivel apenas para uma semana.  Como o caos vai tomando cada vez mais lugar na cidade, a carência de combustível levará eventualmente a que os reatores fiquem sem nenhum tipo de energia e com o reator ainda quente demais. Em poucas semanas centenas de reatores no mundo todo começariam a fundir...

Todo este Pandemonium, poderia ser evitado facilmente diz Kapenmann, a ideia é isolar nas linhas de transmissão o neutro da terra por meio de um capacitor, o que evitaria que as GICs tivessem onde descarregar.  O problema é que as terras estão para evitar curtocircuitos quando a corrente cresce descontroladamente.  Nesse caso alguma chave deveria bypassar o capacitor. Esse dispositivo, baseado num tubo de vacúo já foi desenhado pela firma Advanced Fusion Systems, sendo capaz de atuar numa fração do ciclo  elétrico (digamos que uns 10 ms) e suportar até 20.000 A de corrente.  Só é necessario fazer estas modificações em todas as linhas de alta tensão do mundo a um custo  muito menor que os danos projetados en seus catastróficos relatórios.  O artigo de Kapenmann termina com uma advertência: Se não fazemos nada, se paramos a esperar que os políticos apreciem os riscos e atúem- podemos pressenciar uma das maiores catástrofes de todos os tempos.

Como já tenho dito em outras oportunidades, não gosto dos apocalípses, qualquer que seja a origem.  Kapenmann não apresenta  evidência alguma de que este seja mais real que outros já proclamados: sua base é mostrar que tempestades geomagnéticas anteriores foram de maior intensidade que a que afetou Quebec em 1989.  Mas não oferece relação empírica ou teórica entre a intensidade das correntes induzidas a partir das variaçõe do campo magnético.  Também não fica clara a distribuição destas correntes sobre a superfície terrestre, nem o fluxo necessário para queimar um transformador EHV. Desta forma sua conclusão apocalíptica é, no melhor dos casos, especulativa.  

Por enquanto tomei un articulo de divulgação. Em outros posts vou analisar os trabalhos científicos de Kapenmann, no que diz respeito a suas predições catastróficas.